Uma grande preocupação que temos observado nos cuidadores diz respeito ao estadiamento da doença. A pergunta “em que fase está a doença?” é frequentemente feita.
Vários estudos enfocando esse assunto foram realizados, e existem várias propostas de estadiamento, porém os estudos clínicos de Sjögren (2002) estabelecem a seguinte divisão: demência inicial, intermediária, final e terminal, divisão esta que será utilizada neste site.
Em média, de acordo com as estatísticas, 95% dos pacientes falecem nos primeiros 5 anos, no entanto conhecem-se casos com 10,15 e até com mais de 20 anos de evolução.
Fase inicial
Sem dúvida, é a mais crítica das fases, uma vez que determinados sintomas iniciais são indulgentemente suportados e explicados pelos familiares como “parte do processo natural do envelhecimento” e, dessa forma, subvalorizados, protelando-se a investigação diagnóstica. É consenso que, embora não haja tratamento curativo para a doença de Alzheimer, o diagnóstico precoce é fundamental no retardamento do aparecimento de complicações e na instituição imediata da terapêutica farmacológica específica disponível.
É, portanto, de vital importância que os sintomas iniciais sejam valorizados, na tentativa de se estabelecer um diagnóstico de probabilidade o mais precocemente possível, o que infelizmente ainda não é o observado na prática diária. Teoricamente essa fase dura de 2 a 4 anos.
O começo das alterações é lento, e o paciente, especialmente os de bom nível intelectual e social, adaptam-se a determinadas limitações com alguma facilidade, fazendo que não se percebam ou não se valorizem demais determinadas alterações.
A intimidade do dia a dia, a vida atribulada das grandes cidades, entre outros fatores, especialmente os de origem sociocultural, colaboram no processo de aceitação pelos familiares de determinadas perdas e alterações comportamentais, especialmente quando se trata de pacientes idosos.
A primeira e mais característica marca do início da doença está relacionada com o comprometimento da memória recente ou de fixação. Essas alterações não são constantes e se apresentam como falhas esporádicas de memória, que se repetem com frequência variável, sem constância.
Nessa fase, também surgem os episódios de desorientação espacial, especialmente em lugares desconhecidos, podendo também ocorrer alterações na orientação temporal. Todas essas alterações, no entanto, como não se repetem com frequência preocupante, são entendidas como fato natural, em virtude do avanço da idade, do nervosismo e de outras desculpas relacionadas ao cotidiano.
As alterações comportamentais costumam acompanhar essa evolução, e, lenta e gradualmente, há mudanças no padrão habitual de comportamento.
Dois grupos de comportamento são bastante conhecidos: um pela apatia, passividade e desinteresse, e outro em que a irritabilidade, o egoís¬mo, a intolerância e a agressividade são características. Indivíduos gentis tornam-se rudes e agressivos, egoístas e obstinados, desagradáveis e inflexíveis. Nos casos em que a apatia é predominante, é imprescindível que se faça um diagnóstico diferencial com depressão (pseudodemência) e com a doença de Pick.
Costuma-se dizer que a doença de Alzheimer enfatiza as características da personalidade prévia, especialmente as negativas. A associação frequente de estados depressivos com a doença de Alzheimer está cientificamente comprovada.
As alterações da memória e da orientação espacial causam estados depressivos que se manifestam por apatia e desinteresse pelas tarefas e atividades até então normalmente desempenhadas e inseridas no cotidiano recente. Essa alteração do estado de ânimo tem sido associada com a percepção que o indivíduo tem de suas dificuldades, que tendem a se agravar, não apresentando melhora.
O tratamento medicamentoso da depressão melhora substancialmente o quadro demencial.
Os sintomas mais marcantes dos estados depressivos em idosos são as queixas relacionadas à memória, apatia ou agitação, alteração do sono com insônia e a inapetência.
A hipocondria é frequente.
Os indivíduos passam a valorizar mais o próprio corpo e fazem uma verdadeira peregrinação pelos consultórios, com queixas vagas e inconsistentes. As alterações de comportamento costumam ser desencadeadas por algum fato concreto, o qual pode estar ligado ao ambiente, a mudanças bruscas de costumes e a situações estressantes. Como resposta a esses estímulos, os pacientes reagem desproporcionadamente tornam-se irrequietos, xingam, chegando até a agressão física.
Essa fase é muito difícil para quem convive com o paciente, pois, em virtude dos períodos de bom convívio, bom desempenho social e intelectual e aparente boa saúde física, as explosões de ânimo ou as mudanças bruscas e inexplicáveis de comportamento são altamente angustiantes.
A dificuldade de comunicação também pode aparecer tornando-se complexo encontrar as palavras adequadas. A duração das frases se altera e verificam-se problemas com a gramática.
Os distúrbios do sono, com inversão de horários e as alterações com o pensamento abstrato podem se manifestar já na fase inicial, marcando uma fronteira na passagem para a fase intermediária.
Fase intermediária
A fase intermediária pode durar de três a cinco anos e caracteriza-se fundamentalmente pelo agravamento dos sintomas apresentados inicialmente. Essa fase está correlacionada ao comprometimento cortical do lobo parietal, afetando as atividades instrumentais e operativas. Também, instalam-se as afasias (perda do poder de expressão pela fala, escrita ou sinalização, e/ou da capacidade de compreensão da palavra escrita ou falada e sem alteração dos órgãos vocais), as apraxias (incapacidade de executar os movimentos apropriados para um determinado fim, contanto que não haja paralisia) e as agnosias (perda do poder de reconhecimento perceptivo sensorial, auditivo, visual, tátil etc.).
As queixas de roubo de objetos e de dinheiro, total desorientação têmporo-espacial, dificuldades para reconhecer cuidadores e familiares, suspeita de conspiração para ser enviado a um asilo e o desenvolvimento de atividades totalmente desprovidas de objetivos (abulia cognitiva) são características da fase intermediária.
A fase intermediária tardia é marcada pelo início das dificuldades motoras. A marcha pode estar prejudicada, com lentificação global dos movimentos, aumento do tônus muscular, diminuição da massa muscular e consequentes reflexos na aparência física pelo emagrecimento. A diminuição dos movimentos dos membros superiores ao andar e a instabilidade postural são as alterações mais comuns.
Geralmente, observam-se quadros de agitação e alucinações que acometem praticamente a metade dos pacientes demenciados. A agitação psicomotora, as ilusões e as alucinações relacionam-se diretamente com o grau de severidade da demência.
Uma advertência necessária: apesar de essas manifestações fazerem parte da evolução da doença de Alzheimer, é imperativo estabelecer distinção entre a evolução natural da instalação dessas alterações e as doenças subjacentes que possam intercorrer.
A repetição de frases e palavras, sem interrupção e sem nexo, também costuma estar presente. As frases, via de regra, são curtas, incompreensíveis e malconstruídas. Nessa fase, os indivíduos perdem a capacidade de ler e de entender o que lhes é dito ou pedido, especialmente se recebem ordens complexas ou perguntas com opções de respostas. O paciente pode responder afirmativamente a uma pergunta do tipo “Você quer uma maçã?”, porém encontrará dificuldade para decidir entre uma maçã e uma laranja, caso a pergunta proponha uma escolha. Em vez de responder ou tentar decifrar o enigma que se apresenta para ele, costuma ignorar e continuar da mesma maneira que se comportava imediatamente antes de ser questionado.
A iniciativa está abolida ou seriamente prejudicada. O paciente não costuma perguntar ou solicitar objetos e/ou ações.
O vocabulário é, na maioria das vezes limitado, a poucas palavras e, à medida que evolui para a fase final, fica ainda mais restrito; e o indivíduo passa a utilizar apenas as palavras básicas.
Desenvolve-se grande sentimento de possessividade. A dificuldade em aceitar novas ideias ou mudanças traduz-se por agitação psicomotora e agressividade. Perdem-se, nessa fase, a capacidade de cálculo e de julgamento e o pensamento abstrato.
A apatia e inafetividade também se manifestam ou se agravam.
A memória anterógrada também é prejudicada, a vagância geralmente associada à confabulação (falar só) se instala. O fato de falar só é teorizado por alguns autores como uma tentativa de manter um elo com a realidade, por meio de recordações antigas.
O indivíduo pode se perder mesmo dentro de casa, uma vez que a orientação no tempo e no espaço estão, já a esta altura, bastante comprometidas.
Tarefas solicitadas verbalmente dificilmente são entendidas e atendidas. Os tremores e movimentos involuntários são relativamente frequentes, especialmente os tremores de extremidades e movimentos bucolinguais descoordenados.
Nessa fase, o paciente já se encontra em total estado de dependência, necessitando de supervisão e cuidados diuturnos. O indivíduo pode, em alguns casos, realizar determinadas tarefas extremamente simples, porém é incapaz de sobreviver sem ajuda.
Fase final
A duração da fase final varia de acordo com alguns fatores. Quanto mais cedo a doença se instalar, mais rápida costuma ser a evolução.
Outro fator determinante, não apenas nesta fase, mas também nas fases inicial e intermediária, refere-se aos aspectos preventivos e aos cuidados recebidos pelos pacientes: os que foram bem cuidados, tratados com os medicamentos adequados e tiveram boa orientação familiar, apresentam melhor qualidade de vida, e o aparecimento de complicações é significativamente mais tardio. Pacientes que apresentam, já na fase inicial, distúrbio de linguagem, alucinações e manifestações, como tremores e movimentos involuntários, costumam piorar mais rapidamente.
Nessa fase, a memória antiga estará bastante prejudicada e, às vezes, já totalmente comprometida. A capacidade intelectual e a iniciativa estarão seriamente prejudicadas ou deterioradas.
O estado de apatia e prostração, o confinamento ao leito ou à poltrona, a incapacidade de expressar-se, quer por fala quer por mímica, e especialmente a incapacidade de sorrir são características dessa fase.
As alterações neurológicas se agravam: a rigidez aumenta consideravelmente, os movimentos estarão lentificados, por vezes estereotipados.
As convulsões, assim como o aparecimento de tremores e de movimentos involuntários, também são mais frequentes.
A indiferença ao ambiente e a tudo que o cerca, alternada com alto grau de agitação psicomotora e o aparecimento de incontinência urinária e fecal trazem, grande carga de cuidados. O paciente torna-se totalmente dependente, chegando até a manipular fezes e à coprofagia.
Quando os indivíduos ainda possuem alguma reserva motora, as quedas acidentais com fraturas ocorrem com maior frequência. Passam a não reconhecer as pessoas mais próximas e podem, até mesmo, não se reconhecer quando colocados em frente ao espelho. É possível apresentar hiperfagia. Mesmo adequadamente cuidados, o surgimento de temíveis úlceras por pressão (escaras) é possível, em razão das longas permanências no leito ou na poltrona. Invariavelmente, caminham para um estado de restrição ao leito/poltrona com as previsíveis complicações, marcando assim a transição para a fase terminal.
Fase terminal
A fase terminal caracteriza-se por restrição ao leito/poltrona, praticamente durante todo o tempo. Os indivíduos adotam a posição fetal. As contraturas dos membros inferiores tornam-se inextensíveis e irrecuperáveis. Os membros superiores assumem a posição fletida junto ao tórax, e a cabeça pende em direção ao peito. A coluna flexiona-se e o paciente adota uma posição conhecida como paraplegia em flexão ou posição fetal.
Podem surgir lesões nas palmas das mãos, por compressão destas pelos dedos flexionados; grandes úlceras por pressão, preferencialmente localizadas nas regiões trocantéricas, nos maléolos externos, na região sacra, nos cotovelos, nos calcanhares e até mesmo nos pavilhões auriculares; incontinência urinária e fecal; total indiferença ao meio externo (só respondendo a estímulos dolorosos); mutismo e estado vegetativo.
Alimentam-se por sucção, sendo muitas vezes necessário o uso alternativo de alimentação enteral.
Na metade dos casos, a morte sobrevém em um ano, causada por processos infecciosos, cujos focos preferenciais são o pulmonar e o urinário.
É importante ressaltar que, mesmo com os cuidados adequados, alguns pacientes acabam por atingir essa triste condição, porém é certo também que, se os cuidados forem adequados, isso deverá ocorrer mais tardiamente.
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